Após meses de aulas a distância, começamos a nos preparar para a retomada das aulas presenciais. Porém, como se adequar aos protocolos pedagógicos de planejamento e revisão curricular? Leia o artigo e reflita com a gente.
Com o distanciamento social como forma de combate ao COVID-19 tivemos que esvaziar bruscamente nossas instituições de ensino e nos mantermos todos distantes fisicamente. A partir de então, mesmo sem tempo hábil para a devida preparação para enfrentar a primeira grande pandemia do século XXI, profissionais escolares envidaram esforços e criatividade para manter a educação pulsando nas casas dos estudantes.
É fato que muitas dificuldades foram encontradas e tivemos que lançar mão de muitas adaptações na rotina profissional frente a diferentes demandas dessa “anormalidade”. Porém, também é inegável que esse processo de reinvenção e ressignificação do nosso cotidiano profissional, mas também pessoal, socioemocional, econômico e cultural proporcionou aprendizados e impôs um novo modo de vida em sociedade.
No âmbito da educação, face à previsão de retorno das atividades escolares, várias decisões administrativas e ações conjuntas envolvendo diferentes setores da esfera municipal, bem como medidas sanitárias necessárias devem ser adotadas.
Entretanto, para darmos conta de um recorte desse cenário iminente nos deteremos aqui à reflexão sobre a importante revisão das propostas curriculares que equipes pedagógicas e professores deverão realizar para os últimos meses letivos de 2020.
Na tentativa de fomentar o debate sobre o que e como priorizar na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, discorreremos sobre 3 pontos de reflexão que giram em torno do planejamento e revisão curricular:
Evidentemente não estamos desconsiderando a complexidade da discussão e a existência de outras temáticas que devem ganhar eco no processo de planejamento e de formação dos profissionais da educação, porém, vamos elencar as principais temáticas suscitadas nesse processo de revisão curricular no período de retorno às aulas presenciais em meio à crise da Covid-19.
A concepção de currículo e como essa visão reverbera na prática pedagógica
De acordo com Sacristán (2000), currículo está diretamente associado à ideia de socialização e concretização de fins sociais e culturais no espaço escolar. Essa concepção, portanto, está assentada na experiência humana, na organicidade dos objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem e na flexibilidade das práticas educativas.
O que estamos propondo nessa reflexão é que superemos a ideia de currículo enquanto uma listagem prévia de conteúdo disciplinares, com alto potencial de marginalizar o processo ensino-aprendizagem. O desafio posto é compreendê-lo na perspectiva das crianças e adolescentes e em suas relações. É concebê-lo como construção, articulação e produção de aprendizagens que acontecem no encontro entre os sujeitos e a cultura. Um currículo transformador emerge da vida, dos encontros entre estudantes e adultos, comunidade e no percurso no mundo.
Nessa dimensão, o estudante e o professor assumem papel de protagonistas do processo educativo e as respostas complexas são construídas para as perguntas significativas. O docente observa, escuta e compreende seu papel na ação e deixa de se restringir à transmissão de informações, possibilitando assim que os alunos ampliem seu repertório. Vemos com esse movimento as necessidades, curiosidades e desejos dos estudantes entrarem em sintonia com os saberes sistematizados ao longo da história da humanidade e com os conhecimentos das culturas onde estão inseridos.
É justamente por isso que não podemos sustentar a visão de currículo apenas naquilo que está explícito nas práticas cotidianas, mas também refletirmos permanentemente sobre o que está oculto e isso nos impõe muitos desafios.
Com o debate na Educação Infantil, por exemplo, verificamos que o currículo oculto ensina muito mais às crianças (e também aos adultos experientes) do que os planos e propostas explicitam.
No Ensino Fundamental, não é diferente. Embora tratemos dos conhecimentos sistematizados, é preciso admitir que não damos conta do universo complexo dos mundos das diferentes infâncias e das juventudes existentes, afinal se fragmentarmos o cotidiano em componentes curriculares, reduziremos o poder do pensamento complexo desses sujeitos potentes, criativos, curiosos e ativos.
A promoção das aprendizagens essenciais a partir das competências gerais da BNCC e dos currículos
Os arranjos curriculares de uma rede ou escola devem traduzir os diferentes momentos históricos e, na sociedade contemporânea, requerem a promoção do ensino baseado em competências.
Desta forma, temos o desafio de refletirmos coletivamente sobre os Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento na Educação Infantil e as habilidades previstas para o Ensino Fundamental, definindo assim o que nossos alunos devem aprender após um período que imprimiu novas marcas nas relações humanas e na história da humanidade.
Nesse sentido, retomar a leitura da arquitetura curricular da BNCC, atentando-se ao quadro de objetivos e habilidades, será importantíssimo para que o professor não perca de vista as aprendizagens essenciais dos estudantes, que lhes é de direito, a ideia de progressão de aprendizagem e contemple em seu planejamento didático-pedagógico as competências gerais.
Se definitivamente desejamos uma escola que responda às exigências complexas da contemporaneidade e forme pessoas capazes de humanizar as relações na coletividade, agir de maneira sustentável, resoluta, criativa, inovadora, proativa e pautada em princípios que valorizem e respeitem a vida, precisamos priorizar o ensino no desenvolvimento de competências.
Aqui, entretanto, não estamos defendendo o abandono das competências cognitivas, mas conclamando a todos os profissionais da Educação para que prevejam propostas pedagógicas promotoras de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes, que favoreçam o desenvolvimento dos estudantes em todas as suas dimensões: intelectual, física, social, emocional e cultural.
Na Educação Infantil, serão oportunos tempos e espaços para saber das crianças sobre as suas experiências durante o período de afastamento social. Elas poderão expor seus sentimentos e relatos de situações vividas, compartilhar suas aprendizagens, alegrias, medos e frustrações. Será momento oportuno para elas partilharem com seus pares e com os adultos: como participaram das atividades cotidianas em suas casas, como organizaram suas rotinas e momentos para brincar, assistir à TV, promover sua higienização, momentos de alimentação, dentre outros.
Ao mesmo tempo, será momento para o professor garantir intencionalmente novos contextos de aprendizagem e desenvolvimento para essas crianças com necessidades e desejos diferentes daqueles manifestados antes da pandemia.
Vale lembrar que os eixos que estruturam a Educação Infantil (Interações e a Brincadeira) e os 6 Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento expressos nos 5 Campos de Experiências deverão dialogar com as Competências Gerais.
No Ensino Fundamental, assim como na Educação Infantil, deverão ser adotadas formas de acolhimento às famílias e será muito importante a escuta e o olhar atentos aos relatos dos alunos pelo professor.
Em relação ao planejamento didático-pedagógico, o docente deverá integrar os diferentes Componentes Curriculares e as áreas do conhecimento no seu planejamento, sem perder de vistas as aprendizagens essenciais previstas no Organizador Curricular e as Competências Gerais da BNCC.
Diante desses desafios, vemos que embora façamos o esforço para consolidar um currículo coerente com as necessidades dos nossos alunos, precisamos reconhecer que ele acontece, principalmente, no tempo da ação, no encontro entre famílias, estudantes e docentes. Isso não exime o profissional de se preparar, estudar, retomar leituras importantes que orientem sua prática pedagógica. Somado a esse exercício, o professor deverá estar preparado para se deparar com personagens que retornarão a esse espaço imbuídos de valores, saberes e experiências ressignifcados.
A importância da avaliação como instrumento formativo para o professor e para o aluno.
Quando a questão levantada é “Avaliação”, primeiramente precisamos convencionar o termo para o que ele realmente significa. Aqui precisamos discorrer sobre a diferença entre exame e avaliação, pois, muitas das vezes, os dois termos são convergidos para uma única definição.
• Exame é o instrumento que responde quantitativamente o que o aluno aprendeu, e tem a característica em ser pontual, classificatório e seletivo.
Exemplo: Uma prova de matemática com 10 questões em que o aluno acertou 2 e errou 8, normalmente a sua nota será 2. Esse aluno teve um tempo para responder às questões e somente aquele momento importou para as respostas dadas, ou seja, é pontual. Por mais que esse estudante se lembre de algo posteriormente, não seria considerado, pois já teria realizado a “prova”. Além disso, se em uma segunda oportunidade a nota obtida for 10, a média, provavelmente será 6, figurando um caráter classificatório e desconsiderando a evolução de uma “prova” para outra.
• Avaliação é o instrumento que responde qualitativamente o que o aluno aprendeu, e tem características completamente opostas ao exame. Vale ressaltar aqui Luckesi (1995) o qual pontua muito bem a avaliação da aprendizagem em que enaltece a importância dos conhecimentos prévios, os atuais e prospecta o que ainda o aluno absorverá. A avaliação deve ser formativa, dialógica, dialética e diagnóstica em sua essência, colocando o aluno no centro da aprendizagem e de acordo com suas possibilidades para tal. Ela não reprova, e sim, orienta o caminho para a progressão do aluno em sua melhoria e refinamento dos conhecimentos.
Portanto, ao voltarmos para as aulas presencias, devemos sim diagnosticar as habilidades cognitivas dos alunos, porém, não com o foco em classificação e seleção, mas sim, como ferramenta para garantir a aprendizagem, desenvolvimento e formação, seja na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental.
O professor poderá preparar uma “prova” para os alunos do 3º ano, por exemplo, com questões de matemática, português, entre outros componentes curriculares previstos, porém, com o intuito de identificar as lacunas provocadas por este período de distanciamento social e promover o avanço da aprendizagem.
Além disso, a maior demanda no período pós-pandemia serão as competências socioemocionais, as quais estão traduzidas transversalmente nas competências gerais da BNCC e que foram reiteradas no Currículo Paulista, Pernambucano, Mineiro, e em todos os outros currículos estaduais.
Sendo assim, para que os profissionais da educação encarem a definição de avaliação em sua essência e sejam coerentes no fazer pedagógico no momento de retomada às aulas presenciais, o processo formativo deve ser fortalecido pelas redes e secretarias de educação para que esse conceito seja tratado em sua completude, enfatizando as competências socioemocionais além das competências cognitivas.
Considerações finais acerca do processo de planejamento e revisão curricular
A partir da reflexão apresentada neste artigo, depreende-se que a tríade CURRÍCULO-APRENDIZAGEM-AVALIAÇÃO auxiliará no planejamento e na prática pedagógica do professor no cenário pós-pandemia.
Sustentamos aqui a concepção de CURRÍCULO enquanto produção e manifestação de saberes históricos e culturais no ambiente escolar. Afinal, a escola constitui-se no locus privilegiado de um conjunto de práticas e relações sociais que favorece a formação dos alunos.
Essa visão, defendemos ainda, só ganha sentido frente aos novos desafios impostos pela contemporaneidade quando a prática docente prioriza o ensino baseado em COMPETÊNCIAS. Isso implica dizer que o planejamento pedagógico no pós-pandemia não poderá ser sustentado pelo ensino de conteúdos, mas por uma ação intencional que potencialize a vida acadêmica, pessoal, cidadã e profissional dos estudantes.
E para balizar esse processo orgânico, flexível e dinâmico expresso no currículo estruturado por competências, a AVALIAÇÃO é apresentada como recurso subsidiário da eficiência da ação planejada. Afinal, enquanto ato processual, formativo e qualitativo do processo educacional, ela favorece a intervenção nos resultados da aprendizagem e possibilita as adequações das estratégias e rumos do professor.
Autores: Oliver Lima e Ton Ferreira.